AT: Função x Papel x Profissão?

   


    O acompanhante terapêutico (AT) ocupa um lugar singular no campo das práticas de cuidado e em especial na saúde mental, atuando na intersecção entre clínica, cotidiano e reinserção social. Sua prática não se limita a uma função técnica ou a um conjunto de tarefas predefinidas, mas se constitui como uma presença ativa que opera a partir do estar junto, do fazer com e do experimentar novos modos de existência. Abaixo alguns apontamentos que podem colaborar para uma visão a cerca dessa modalidade de cuidado.


 1. Estar Junto: A Presença como Ferramenta Clínica

    Diferente de outras profissões da saúde, o AT não atua a partir de um distanciamento profissional típico de modelos tradicionais. Seu trabalho se baseia na proximidade, na disponibilidade afetiva e na construção de vínculos. Essa presença não é passiva, mas ativa e intencional, pois visa criar um campo de possibilidades onde o paciente possa se reconhecer e se mover de maneira mais autônoma. Historicamente nomeado como Amigo qualificado o AT perpassa próximo as funções existentes nos vínculos de amizade muitas vezes apresentando essa qualidade relacional aos acompanhados.

 2. Fazer Coisas que Talvez Nunca Tenham Sido Feitas: O Inédito como Potência 

    O AT não apenas auxilia em atividades cotidianas, mas provoca/convoca novas experiências—seja um simples passeio no parque, um diálogo em um café ou o enfrentamento de uma situação de medo, por exemplo. Essas vivências inéditas rompem com padrões cristalizados/ congelados, abrindo espaço para que o sujeito experimente outras formas de ser e estar no mundo. Inaugurando movimentos que muitas vezes deixaram de ser vividos pela pessoa acompanhada ao longo de sua trajetória de vida. 

3. Superar Limitações e Desenvolver Potencialidades

    Muitas vezes, o acompanhado chega ao acompanhamento com uma história marcada por restrições—sejam sociais, familiares, físicas ou psíquicas. O AT atua como um facilitador de aberturas e atravessamentos, ajudando a transpor barreiras que antes pareciam intransponíveis. Outras vezes exerce uma espécie de lugar de testemunha para aquela situação em que o acompanhado se encontra auxiliando na comunicação de fatos que podem estar desintegrados ou confusos frente as muitas dinâmicas vividas. Ao mesmo tempo, identifica e estimula potencialidades adormecidas, mostrando que o sujeito é mais do que seus diagnósticos ou limitações. 

4. Garimpar Autonomias: A Construção de um Sujeito mais Livre 

    A autonomia não é dada, autonomia é um exercício construído no dia a dia. O AT não decide pelo acompanhado, mas o acompanha em suas escolhas, ajudando-o a assumir gradualmente o controle sobre sua própria vida. Esse processo é delicado, pois exige que o profissional saiba quando intervir e quando recuar, quando sustentar e o quanto manejar, permitindo que o outro encontre seu próprio caminho. 

5. Servir de Modelo: Identificação e Aprendizado por Observação/Experiências Compartilhadas

    O AT não é um terapeuta no sentido clássico que opera num setting restrito e com uma posição de neutralidade, frente a relação sua postura funciona como um espelho para o paciente, dando margens para que as identificações cruzadas possam operar dentro dos contornos/limites do cuidado. A forma como lida com frustrações, como se relaciona com os outros e como age diante de imprevistos pode servir como referência para novas identificações. Essa dimensão “pedagógica” é fundamental, pois muitas vezes o paciente não teve modelos saudáveis de interação. 

6. Estar Presente: A Clínica do Encontro Real 

    Enquanto algumas terapias se restringem ao consultório, o AT leva a clínica para a rua, espaço externo, trajetos da vida. Seja em uma praça, em um ônibus ou em uma padaria, cada encontro é uma oportunidade de trabalho terapêutico. Essa flexibilidade de cenários permite que o paciente vivencie e ressignifique suas dificuldades em contextos reais, e não apenas em um setting controlado. Nesse sentido a relação entre acompanhante e acompanhado será tomada de muitos atravessamentos tendo o encontro e o vínculo como elementos fundamentais de sua sustentação. 

7. Uma Clínica do Possível: Aposta na Movimentação Psíquica 

    O AT não busca "curar" ou "consertar" o paciente, mas criar condições para que ele se mova. A ideia é que, ao circular mais livremente no mundo, experimentando novas relações e situações, o sujeito possa reorganizar seu psiquismo. Essa aposta no processo—e não em resultados imediatos—é o que diferencia o acompanhamento terapêutico de outras intervenções. 

8. Qualquer Lugar como Espaço de Tratamento: A Maleabilidade como Método

    Diferente de abordagens rígidas, o AT improvisa e se adapta, entendendo que o setting terapêutico não se limita a quatro paredes. Essa maleabilidade é essencial, pois permite que o tratamento seja vivo e sensível às necessidades do paciente. 

    Nesse sentido apostar que é no encontro entre a Função, o Papel e a Profissão que o acompanhamento terapêutico pode refletir uma espécie de cuidar comum, paradoxalmente próximo e distante da clínica operada nas terapêuticas tradicionais. Sua prática disruptiva se define justamente por transitar entre esses lugares, operando como ponte entre o indivíduo (e seu mundo intrapsíquico) e o social. Seu maior desafio é equilibrar técnica e espontaneidade, presença e discrição, apoio e liberdade.
    Ao apostar no inédito, na autonomia e no encontro real, o AT contribui para uma clínica menos normativa e mais inventiva, onde o sujeito não é apenas tratado, mas reinventado a cada passo dado junto com seu acompanhante.

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