Aspectos sobre a integração no tempo durante o estágio da dependência absoluta.

Aspectos sobre a integração no tempo durante o estágio da dependência absoluta.

André Miolo Nunes

Terapeuta Ocupacional,

Acompanhante Terapêutico,

 Psicanalista

Resumo

Este artigo aborda a relação entre o tempo e o desenvolvimento humano no estágio da dependência absoluta, com base na teoria do amadurecimento de Winnicott. Destacam-se três tarefas inaugurais e interdependentes: integração no tempo-espaço, personalização (alojamento da psique no soma/corpo) e realização (adaptação à realidade e relação objetal). O objetivo é explorar como a temporalização e a espacialização influenciam o processo de amadurecimento, especialmente no contexto da Terapia Ocupacional. Por meio de revisão bibliográfica, analisam-se as dinâmicas temporais que permeiam a relação mãe-bebê, enfatizando a importância do cuidado materno na constituição de um ambiente facilitador. Conclui-se que o tempo, para Winnicott, assume qualidades integrativas, relacionais e subjetivas, sendo fundamental para a formação das ocupações humanas e a continuidade do ser.

Palavras-chave: Winnicott, tempo, dependência absoluta, amadurecimento, Terapia Ocupacional.


Abstract

This article explores the relationship between time and human development during the stage of absolute dependence, based on Winnicott's theory of maturation. Three inaugural and interdependent tasks are highlighted: integration in time-space, personalization (housing the psyche in the soma/body), and realization (adaptation to reality and object relations). The objective is to examine how temporalization and spatialization influence the maturation process, particularly in the context of Occupational Therapy. Through a bibliographic review, the temporal dynamics underlying the mother-infant relationship are analyzed, emphasizing the importance of maternal care in creating a facilitating environment. The study concludes that, for Winnicott, time assumes integrative, relational, and subjective qualities, playing a crucial role in the formation of human occupations and the continuity of being.

Keywords: Winnicott, time, absolute dependence, maturation, Occupational Therapy.


Introdução

Na obra de Winnicott, referente à teoria do amadurecimento humano, os processos de integração presentes no estágio da dependência absoluta destacam-se três tarefas inaugurais e interdependentes na relação com a mãe: a integração no tempo-espaço, o alojamento da psique no soma/corpo (personalização) e a adaptação à realidade e relação objetal (realização).

Este trabalho aborda alguns aspectos referentes aos modos de integração na temporalização e espacialização, principais tendências no processo de amadurecimento. O objetivo é tecer considerações sobre a relação do tempo com aspectos presentes no desenvolvimento do estágio da dependência absoluta, contribuindo para uma compreensão inicial dessa dimensão na constituição dos processos da ocupação, especialmente no contexto da Terapia Ocupacional.

Para tanto, foram realizadas leituras e levantamento bibliográfico de obras que abordam essa questão sob o prisma winnicottiano.


Desenvolvimento

Winnicott conceitua o ser humano como um ser de essência temporal, descrevendo-o como “uma amostra-no-tempo [time-sample] da natureza humana” (WINNICOTT apud DIAS, 2007, p. 75). As relações com o tempo ganham contornos importantes a partir do nascimento do bebê, embora já estivessem presentes na vida intrauterina, marcada por memórias corporais que se manifestam nos dias seguintes ao parto. Essas relações vão se inscrevendo conjuntamente à ligação com o espaço, com o corpo e com a mãe, esta última compreendida como parte vital do ambiente.

O nascimento de qualquer ser humano constitui uma mudança completa de ambiente e contexto. Ao sair de um meio aquoso intrauterino para um meio aéreo, ocorre uma transição significativa e inédita. O neonato necessita, nesse trânsito, de cuidados essenciais para sua adaptação, em um período caracterizado por extrema dependência. Passa de uma situação em que seu organismo recebia trocas gasosas e nutricionais diretamente da placenta e do cordão umbilical, com contornos pré-definidos pelas membranas endometriais e viscerais da mãe, e ritmos de excitação e quietude regidos pelo corpo materno, para um novo contexto em que a respiração, a amamentação, o amparo, o acalanto, o manejo e as cadências de cuidado se tornam fundamentais para o estabelecimento dos primórdios da relação com a realidade.

A integração, segundo Winnicott, assume diversos sentidos e significados. Segundo Dias (2017), as experiências passam de um estado de não-integração para um de integração, em que os processos de temporalização e espacialização imprimem as tendências e fundamentos da continuidade do ser e da linha da vida. A autora destaca que o termo designa a tendência inata ao amadurecimento, bem como as integrações parciais e graduais ao longo do processo vital. A oscilação entre estados integrados e não integrados é uma conquista.

A dimensão do tempo, inexistente para o bebê antes do nascimento, apresenta-se ao recém-nascido como um continuum, uma sequência de acontecimentos com duração estendida, cujos intervalos vão se estabelecendo gradualmente. As primeiras marcações do tempo ocorrem por meio de ritmos de cuidado, nos quais o bebê experimenta breves momentos de excitação/vigília e quietude.

Ao sentir-se seguro pelos cuidados recebidos, o bebê experimenta estados de quietude e relaxamento, próximos às experiências de não integração. Esse fenômeno ritmado de “encontro e perda” confere ao bebê uma vibração peculiar, um modo próprio de subjetivação. Assim, o “primeiro tempo” do bebê é subjetivo, configurando um mundo igualmente subjetivo, ainda sem amadurecimento suficiente para compreender aspectos externos.

O cuidado com esse tempo, que coexiste com o espaço/mundo, ocorre por meio da presença e permanência da mãe, que oferece sustentação ao ambiente, contato e continuidade. Essas ações relacionais proporcionam ao bebê noções de coesão e unidade. Como afirma Winnicott (1957/1979, p. 50): “Aí está ela, proporcionando todo conforto possível ao bebê e organizando um cenário em que a amamentação possa ocorrer, se tudo for bem. O cenário faz parte de uma relação humana.”

Essas experiências se instalam no humano como órbitas de duração e sentido, “realidades” que dependem da memória e da intenção de continuar a ser. Dias (2017) destaca que o fundamento do processo de temporalização ocorre a partir das experiências presentes, com a presença materna como aspecto crucial: “O bebê começa a constituir um ‘passado’, um ‘lugar’ onde guardar experiências, de onde pode antecipar o futuro, pelo fato de algumas coisas e acontecimentos terem se tornado previsíveis” (DIAS, 2017, p. 175).

Tal qual um pêndulo que oscila entre “o antes, o agora e o depois”, a repetição de ritmos de cuidado, marcados pela relação íntima com o corpo da mãe, pelos ajustes fisiológicos e pela existência de um ambiente facilitador, permite à dupla mãe-bebê reproduzir e expandir um ritmo já vivido. Essa expansão ocorre a partir da capacidade da mãe de adaptar-se às necessidades do bebê, que, por sua vez, começa a prever o que virá, com base em suas próprias necessidades, atendidas pelas respostas maternas (DIAS, 2017, p. 175).

A relação rítmica deve iniciar-se no tempo subjetivo do bebê, no qual a mãe, em sua preocupação primária, está imersa. Antecipações ou atrasos configuram falhas ambientais ou intrusões. Por exemplo, a amamentação deve ocorrer “exatamente quando o bebê a quer e acaba quando o bebê cessa de querer. Essa é a base” (WINNICOTT apud DIAS, 2017, p. 175). Aos poucos, a mãe ajusta os intervalos de oferta, estabelecendo confiabilidade.

Cada ritmo é único e difere dos anteriores e posteriores. Embora tenda à continuidade, o bebê experimenta uma relação crescente com o tempo, conquistada por meio da relação criativa com a mãe, suas necessidades, sua elaboração imaginativa e os objetos apresentados.

O tempo, em sua relação com o movimento, encontra na espacialização um de seus marcadores. A conquista do espaço está intimamente ligada à constituição do corpo. Como destacado inicialmente, as tarefas inaugurais são interdependentes, e a integração psique-soma é fundamental. “É preciso acrescentar que esse corpo não está solto no espaço, mas seguro nos braços da mãe ou aconchegado no berço; o colo da mãe e os detalhes do ambiente são partes constituintes dessa morada e da experiência inaugural de habitar” (DIAS, 2017, p. 180).

A articulação entre tempo e espaço constrói o habitual. Nas ações e gestos da dupla mãe-bebê, inscritos em um tempo cuidado, algo de regularidade, consistência e confiabilidade se impregna, incorpora e constitui o ambiente. Essa relação com o tempo é influenciada por afetos e emoções, carregando qualidades próprias da experiência de amadurecimento, subjetivação e ocupação.

A mãe provê contatos do bebê com o mundo em pequenas e regulares doses, permitindo que ele, sem pressa e com segurança, agarre-se a si e ao mundo. “Nos detalhes que o bebê apresenta, ela possibilita a este criar e habitar um nicho, feito de tempo e concentração, no interior do qual algo pertencente ao aqui e agora pode ser experienciado” (DIAS, 2017, p. 181).

Um dos contatos integrativos realizados pela mãe é o “segurar” (holding), que Winnicott considera a base da forma de amar. Esse segurar, calmo e regular, amplia-se para uma sustentação da situação no tempo [holding a situation], “uma disponibilidade tranquila que permanece, estende-se no tempo e não exige que nada aconteça; apenas aguarda os movimentos do bebê e o acompanha em suas idas e vindas” (DIAS, 2017, p. 182). Essa experiência demanda da mãe um tempo suficiente de sustentação e espera, permitindo ao bebê experimentar um acontecimento total, com começo, meio e fim, e, aos poucos, dominar o tempo, conquistando novas capacidades.


Conclusão

Se, para Einstein, o tempo é relativo e não pode ser medido uniformemente, para Winnicott ele assume outras qualidades: integrativo, relacional, subjetivo, sustentador, interno-transicional-externo, objetivo, percebido, compartilhado, afetivo e criacional.

Em sua imbricação com o espaço, o tempo estabelece sentidos que se manifestam nas relações com o ambiente, na formação do corpo, no lugar e nos sentidos de presença. A mãe, dedicada aos cuidados, transforma a si e ao mundo, garantindo um ambiente facilitador para o desenvolvimento do bebê.

Conjugando tempo, espaço e relação, temos a base das ocupações humanas, atividades instaladas no tempo, afirmadas no espaço e operadas por meio das relações. Como afirma Winnicott, a ocupação do bebê, após o nascimento, envolve uma integração com o tempo-espaço que nunca se completa, sendo uma conquista constantemente readquirida ao longo da existência. Talvez esse seja o germe do fazer humano, o que move a humanidade em sua tentativa de continuar a ser.


Referências Bibliográficas

  • DIAS, E. O. A Teoria do Amadurecimento. 4. ed. São Paulo: DWW Editorial, 2017.
  • WINNICOTT, D. W. Pormenores da Alimentação do Bebê pela Mãe. In: WINNICOTT, D. W. A Criança e o Seu Mundo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. p. 49-54.
  • WINNICOTT, D. W. Teorias do Relacionamento Paterno-Infantil. In: WINNICOTT, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação: Estudos sobre a Teoria do Desenvolvimento Emocional. São Paulo: Artmed Editora, 2008. p. 38-54.
  • DAVIS, M. Limite e Espaço: Uma Introdução à Obra de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1982.
  • MELLO FILHO, J. O Ser e o Viver: Uma Visão da Obra de Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

 

  

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